A Cozinha Brasileira um suculento caldeirão cultural

Quem me conhece sabe que adoro cozinhar, quando me perguntam que tipo de prato voce gosta de fazer: eu respondo os pratos da minha Cozinha Brasileira.

O Celophane Cultural faz uma homenagem a Luis da Camara Cascudo e seu livro “História da Alimentação no Brasil” que “debulha” as origens desta nossa cozinha tão ampla e misturada que faz do ato de comer do Brasileiro, um importante veio cultural.

Foto da exposição onde aparece Câmara Cascudo visitando e experimentando a culinária Brasileira: Viagens de Câmara Cascudo – Um Cardápio do Brasil - em cartaz no SESC Carmo - SP

Junte as influências dos escravos que vieram da África, a cultura indígena dos povos que já moravam aqui e as novidades que os europeus trouxeram quando chegaram ao Brasil; misture com os ingredientes típicos dessas terras e voilà: está pronta a culinária brasileira, um legítimo caldeirão de sabores.

Nossa culinária  é uma bela misturada, saborosa e suculenta “Farofa

Farofa suculenta: foto: http://www.massasonline.com.br/

Muitas das técnicas de preparo e ingredientes são de origem indígena, com diversas  adaptações por parte dos escravos e dos portugueses. Esses faziam adaptações dos seus pratos típicos substituindo os ingredientes que faltassem por correspondentes locais.

A feijoada, prato mais brasileiro não existe, é um exemplo disso.

Feijoada com diversos acompanhamentos: arroz, mandioca frita, torresmo, laranja, caipirinha, entre outros. Fonte: Wikipédia

Os escravos trazidos ao Brasil desde fins do século XVI, somaram à culinária nacional elementos como o azeite-de-dendê e o cuscuz. As levas de imigrantes recebidas pelo país entre os séculos XIX e XX, vindos em grande número da Europa, trouxeram algumas novidades ao cardápio nacional e concomitantemente fortaleceu o consumo de diversos ingredientes.

Livro Dendê-símbolo e sabor da Bahia - Raul Lody

A alimentação diária, feita em três refeições, envolve o consumo de café-com-leite, pão, frutas, bolos e doces, no café da manhã, feijão com arroz no almoço, refeição básica do brasileiro, aos quais são somados, por vezes, o macarrão, a carne, a salada e a batata e, no jantar, sopas e também as várias comidas regionais.

Café com leite e pão - base do café da manhã brasileiro - foto: http://meme.yahoo.com/

As bebidas destiladas foram trazidas pelos portugueses ou, como a cachaça, fabricadas na terra. O vinho é também muito consumido, por vezes somado à água e açúcar, na conhecida sangria. A cerveja por sua vez começou a ser consumida em fins do século XVIII e é hoje uma das bebidas alcoólicas mais comuns.

A História da nossa mesa:

No Brasil colonia os portugueses assimilaram os ingredientes dos nativos da África, Ásia e América para sobreviver em terras estranhas, mas também por curiosidade.

Jean-Baptiste Debret - O Jantar, 1834 - 1839

A atual culinária colonial constituinte das bases culinárias do país pode ser dividida em quatro correntes: a do litoral açucareiro; a do norte; a dos Bandeirantes que partiam de Vila de São Paulo do Piratininga; e a quarta, da pecuária.

No norte, os habitantes dependiam mais dos conhecimentos indígenas para sobreviver e para a coleta das drogas do sertão e, por isso, sua alimentação incluía pratos e ingredientes como a carne de peixes como o pirarucu, a carne de jacarés, tartarugas — além de seus ovos — e do peixe-boi do qual se fazia também a manteiga, e frutas.

PIrarucu - Foto: THIAGO ITACARAMBY /Assessoria/Sepe-MT

Como o terreno próximo a Vila de São Paulo do Piratininga era inadequado ao cultivo da cana de açúcar, a economia voltou-se para o interior, para a procura de ouro, pedras preciosas e apresamento dos indígenas e, por isso, puderam desenvolver-se lavouras de subsistência. O sistema de plantação dos tupis — aonde se cultivam pequenas áreas estratégicas — foi aproveitado pelos viajantes: plantava-se uma área para que houvesse alimento na viagem de volta. 

A própria história influenciou a culinária de cada região.

Indígenas

A alimentação indígena tinha como alicerce a mandioca, na forma de farinha e de beijus,mas também de frutas, pescado, caça, milho, batata e pirões e, com a chegada dos portugueses, do inhame trazido da África.

INdios descascando a raiz de Mandioca - foto: http://breederscafegourmet.blogspot.com

Todos os povos indígenas conheciam o fogo e o utilizavam tanto para o aquecimento e a realização de rituais quanto para preparar os alimentos. As principais formas de preparo da carne eram assá-la em uma panela de barro sobre três pedras (trempe),em um forno subterrâneo (biaribi), espetá-la em gravetos pontudos e colocá-la para assar ao fogo — de onde teria vindo o churrasco do Rio Grande do Sul — colocá-la sobre uma armação de madeira até ficar seca para que assim pudesse ser conservada (moquém) ou algumas vezes cozê-la.

gauchos e seu famoso churrasco - foto: http://costumesrs.blogspot.com/

No biaribiri colocavam uma camada de folhas grandes em um buraco e sobre elas a carne a ser assada e sobre essa carne ainda, uma camada de folhas e outra de terra, acendendo sobre tudo um fogueirade onde teria surgido o modo de preparar o barreado do Paraná.

Barreado do Paraná - foto: http://www.brasiliadedolma.blogspot.com

Por vezes a carne cozida servia para o preparo de pirões, mistura de farinha de mandioca, água e caldo de carnes. Havia duas formas de prepará-lo, cozido ou escaldado. Na primeira, o caldo é misturado com a farinha aos poucos e mexido até ganhar consistência adequada, na segunda, simplesmente misturam-se os dois, resultando em um pirão mais mole.

Ao lado da farinha e do beiju, a caça era outra das principais fontes de alimento.As principais carnes eram as de mamíferos como o porco-do-mato, o queixada, o caititu, a paca, o veado, macacos e a anta, que servia a comparações com o boi, a anta estrangeira. Eram preparadas com pele e vísceras, o pêlo queimado pelo fogo e os miúdos, órgãos internos, depois retirados e repartidos.

Sarapatel feito com miudos do boi - foto: http://www.casacoisasetal.blogspot.com

A pesca, de peixes, moluscos e crustáceos, era realizada com arco a pequenas distâncias, sem haver uma espécie mais apreciada que outras.Os maiores eram assados ou moqueados e os menores cozidos sendo o caldo utilizado para fazer pirão.Por vezes, secavam os peixes e socavam-nos até fazer uma farinha que podia ser transportada durante viagens e caçadas.

A paçoca era produzida da mesma maneira, pilando-se a carne com a farinha de mandioca, alimento posteriormente adaptado com castanhas de caju, amendoins e açúcar no lugar da carne e transformado em um doce.

Para temperar o alimento usavam a pimenta ou uma mistura de pimenta e sal pilada chamada ionquet, inquitaia, juquitaia, ijuqui. Sempre era colocado após o preparo e mesmo comido junto com o alimento, colocando-se um naco de comida na boca e em seguida o tempero. O sal era obtido a partir de difíceis processos de secagem da água do mar, em salinas naturais — sal mineral — ou a partir da cinza de vegetais.

Pimenta dedo de moça - foto: http://www.cozinhapossivel.blogspot.com

Entre os alimentos líquidos indígenas encontra-se a origem do tacacá, do tucupi, da canjica e da pamonha. O primeiro surge a partir do sumo da mandioca cozida, chamado manipueira, misturado com caldo de peixe ou carne, alho, pimenta e sale o segundo a partir da fervura mais demorada do mesmo sumo.

Tacacá prato tradicional de belem do Pará - foto: /www.santaremtur.com.br

A canjica era uma pasta de milho puro até receber o leite, o açúcar e a canela dos portugueses ganhando adaptações de acordo com o preparo, como o mungunzá, nome africano para o milho cozido com leite, e o curau, feito com milho mais grosso.A pamonha era um bolo mais grosso de milho ou arroz envolvido em folhas de bananeira.

Pamonha de milho verde - foto: http://www.papjerimum.blogspot.com

Fabricavam também bebidas alucinógenas para reuniões sociais ou religiosas como a jurema no Nordeste. Com seus ingredientes e técnicas a culinária indígena formaria a base da culinária brasileira e daria sua autenticidade,com a mandioca sendo o ingrediente nacional,pois incluído na maioria dos pratos.

O Sabor da Africa

A alimentação cotidiana na África por volta do século XVI incluía arroz, feijão (feijão-fradinho), milhetos, sorgo e cuscuz.

Feijão tropeiro prato mineiro feito com feijão fradinho: /www.fotolog.com.br/food/

A carne era em sua maior parte da caça  abundante de antílopes, gazelas, búfalos, aves, hipopótamos e elefantes. Pescavam pouco,de arpão, rede e arco. Criavam gado ovino, bovino e caprino, mas a carne dos animais de criação era em geral destinada ao sacrifício  e trocas; serviam como reserva monetária.  Preparavam os alimentos, assando, tostando ou cozendo-o  e para temperar a comida tinham apreço pelas pimentas,  mas também utilizavam molhos de óleos vegetais, como o azeite-de-dendê que acompanhavam a maioria dos alimentos.

Bolinho do Acarajé feito com feijão fradinho pilado e frito no azeite de dendê: foto retirada do Blog AlemdoqueseV

O escravo era apresentado aos gêneros brasileiros antes mesmo de deixar a África,  recebendo uma ração de feijão, milho, aipim, farinha de mandioca e peixes  para a travessia. A base da alimentação escrava não variava de acordo com a função que fosse exercer, quer fosse nos engenhos, nas minas ou na venda.Essa base era a farinha de mandioca. Ela variava mais em função de seu trabalho ser urbano ou rural e de seu proprietário ser rico ou pobre. A alimentação dos escravos nas propriedades ricas incluía canjica, feijão-preto, toucinho, carne-seca, laranjas, bananas, farinha de mandioca e o que conseguisse pescar e caçar; nas pobres era de farinha, laranjas e bananas.

Nas cidades, a venda de alguns pratos poderia melhorar a alimentação do escravo através dos recursos extras conseguidos.Os temperos usados eram o açafrão, o óleo de dendê e o leite de coco. Este último tem sua origem nas Índias e seria usado na costa leste da África já no século XVI, sendo trazido para o Brasil aonde é utilizado para regar peixes, mariscos, o arroz-de-coco, o cuscuz, o mungunzá e ainda diversos outras iguarias.

MUngunzá ou canjica amarela doce:foto: http://www.wp.clicrbs.com.br/feitoemcasa

Prato apreciado no Brasil atualmente, o cuscuz era conhecido em Portugal e na África antes da chegada dos portugueses ao Brasil.Surgido no norte da África, entre os berberes, ele podia ser feito de arroz, sorgo, milhetos ou farinha de trigoe consumido com frutos do mar. Com o transporte do milho da América ele passou a ser feito principalmente deste.  No Brasil é por regra, consumido doce, feito com leite e leite de coco, a não ser o cuscuz paulista, consumido com ovos cozidos, cebola, alho, cheiro-verde e outros legumes.

Cuscuz Paulista - foto: http://www.cybercook.terra.com.br

Europeus e outros povos

Dos imigrantes chegados ao Brasil do século XIX ao início do século XX, como alemães, italianos, espanhóis, sírio-libaneses, japoneses, foram os alemães e italianos que deixam maiores influências na culinária nacional.

Os alemães não muito numerosos, vindos de diferentes regiões da Alemanha e limitados ao Sul e Sudeste do país apenas reforçam o consumo de gêneros já utilizados pelos portugueses como a cerveja, a carne salgada, sobretudo de porco, e as batatas.Ao mesmo tempo em que mantêm o consumo de alguns gêneros como as salsichas, a mortadela, o toucinho e a cerveja, mostram-se adaptativos substituindo o que lhes falta da terra natal por matérias-primas locais. As comidas típicas da Alemanha não se difundem pelo país.

Os italianos por sua vez, em maior número e mais espalhados pelo território nacional conseguem impor as massas de farinha de trigo e os molhos. O macarrão italiano tornou-se alimento complementar,ao lado da farofa, do feijão, do arroz e das carnes. Além do macarrão, outras massas italianas foram trazidas como a pizza, o ravioli e a lasanha e outras comidas que não massas como os risottos e a polenta.

Divulgaram também o sorvete como doce e sobremesa. Fortaleceram o gosto pelo queijo, usado em todas as massas,tanto que o queijo passa a ser consumido junto com doces e frutas, como com a goiabada, ou sozinho, assado.

Um evento Cultural/Gastronômico no SESC SP

E, para mostrar toda essa diversidade, o Sesc Carmo, no Centro de SP, promove a Pitadas de Sabores e Alimentos do Brasil – Homenagem a Câmara Cascudo, uma série de encontros com direito à degustação dos pratos, que acontece entre 14 de outubro a 1º de dezembro.

Cartaz do Evento Pitadas e sabores do Brasil - SESC Carmo - SP

Baseado no livro História da Alimentação no Brasil, do folclorista e escritor Luís da Câmara Cascudo, o evento foi organizado de maneira a dar um panorama da formação da cozinha no Brasil. Nos encontros, que acontecem sempre às quintas-feiras (com exceção do primeiro, que será em uma sexta), chefs e especialistas no assunto mostram ao público todas essas influências. “O evento resgata como a cozinha nacional se formou”, conta Mariana Meirelles Ruocco, coordenadora do setor de alimentos do Sesc Carmo.

Só para se ter uma ideia dos pratos e suas influências, quando a chef Teresa Paim falar da contribuição africana, no dia 20 de outubro, ela irá preparar o vatapá de inhame. O também chef Mauro Fernandes vai tratar dos europeus na cozinha no dia 3 de novembro e traz um exemplar típico de Portugal: o cozido português, que vai além do tradicional bacalhau. “O prato leva frango, carne de boi, linguiça, presunto cru, repolho, cenoura e batata”, descreve Mariana.

Na programação, os demais encontros falam da importância da pimenta, do açúcar e das frutas, além da cozinha do Brasil Colônia com a farinha, feijão e carne-seca (o arroz só entrou depois). E o evento não se resume a receitas e palestras – nas instalações do Sesc Carmo há duas exposições fotográficas. Uma traz fotos de pessoas e objetos que fizeram parte da pesquisa de Câmara Cascudo para compor o livro. A outra vem com fotos de pratos típicos brasileiros que receberam diversas influências culturais, frutas, legumes, verduras e temperos que fazem parte da culinária verde-amarela.

Exposição:
“Viagens de Câmara Cascudo – Um Cardápio do Brasil”
Assim como fez Câmara Cascudo, viajando à África, em 1963, para colher informações sobre a alimentação do Brasil, a ideia é propor ao público uma viagem imaginária, com fotos de locais e elementos que fizeram parte de suas pesquisas. Fachada da unidade e elevadores.
De 14/10 a 30/12. Segunda a sexta, das 9h às 20h.

Mostra Fotográfica:
“Pitadas de Sabores e Alimentos do Brasil”
Mostra fotográfica de pratos típicos da culinária nacional, com influências indígena, africana e portuguesa, além da diversidade de frutas, legumes, verduras e especiarias do solo brasileiro, destacando várias sensibilidades presentes na alimentação do Brasil. Restaurante 1 e Bar Café. Apoio do acervo fotográfico: Keystone.
De 14/10 a 30/12. Segunda a sexta, das 9h às 20h.

Música:
“Intervenções Musicais”
Músicas que remetem ao universo da cultura popular, mencionada na obra do pesquisador Câmara Cascudo em seu livro “História da Alimentação no Brasil”.
Dias 14, 20 e 27/10 Sextas e quintas, às 18h30. Hall do restaurante 1.
Os ingressos custam de R$ 5,00 a R$ 20,00, incluem a degustação e começam a ser vendidos no dia 01/10, com 200 lugares disponíveis. O endereço do SESC Carmo é Rua do Carmo, 147. Mais informações pelo telefone 3111-7000 ou pelo portal http://www.sescsp.org.br.

Pitadas de Sabores e Alimentos do Brasil – Homenagem a Câmara Cascudo
Entre 14 de outubro e 1º de dezembro
SESC Carmo, Rua do Carmo, 147, Metrô Sé, São Paulo
Preço: De R$ 5,00 a R$ 20,00
Telefone:             (11) 3111-7000

Fontes: 

Cascudo, Luis da Câmara. História da alimentação no Brasil.

Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1983.

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