O Celophane Cultural em 23 de Abril vem homenagear São Jorge, o santo guerreiro, que ao matar o dragão da maldade e salvar a humanidade do mal, não tinha idéia de como ficaria famoso e teria uma legião de fiéis no mundo inteiro.
Mas “o brasileiro”, também guerreiro, com a fé em Jorge, mata um dragão por dia. Por isso podemos afirmar que São Jorge é do Brasil.

Festa de São Jorge em Vespasiano, MG. A guarda de Marinheiro de São Jorge recebe os convidados. 25/04/2010. FOTO ÉLCIO PARAÍSO/BENDITA
Porque São Jorge é Tão Brasileiro?
Ele é a síntese da fé cultuada dentro das religiões através dos séculos, tão depurado que deixa o manto e se torna ícone de força e coragem.
O culto ao santo é, no Brasil, uma das mais arraigadas heranças portuguesas e uma enorme festa contemporânea profana e religiosa, laços de fé que unem Brasil e Portugal, o sincretismo religioso, a cultura popular e em especial a identificação cultural dos brasileiros com São Jorge.

Procissão de São Jorge - Rio - Foto ntegrante da exposição: "As MUitas faces de Jorge" _ galeria Mestre Vitalino - Museu do Folclore - Foto: Fábio Caffe
A identificação popular é notável, o Santo é venerado desde os tempos da colônia, São Jorge está presente nos altares das Igrejas católicas e ortodoxas e nos gongás da umbanda, nos botequins e fachadas de casas, é patrono de time de futebol, está presente nas artes plásticas, na poesia e na música popular. A imagem em que o santo enfrenta um dragão repousa estática entre garrafas de bebida nos bares cariocas e nos nichos domésticos; desfila em decalque na carroceria dos ônibus bordados nas capas dos assentos de seus motoristas; gravada em medalha de prata, ouro ou no reluzente chapeado, pende do pescoço do playboy e do operário, do patrão e do empregado.
A grande festa no Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, a devoção a São Jorge desafia as barreiras etárias, sociais e zomba dos limites geográficos. Aproxima o velho do moço, as classes média e baixa dos célebres emergentes, a zona sul do subúrbio, o morro do asfalto, o lar do botequim.

Procissão de São Jorge - Rio - Foto ntegrante da exposição: "As MUitas faces de Jorge" _ galeria Mestre Vitalino - Museu do Folclore RJ - Foto: Ingrid Cristina
É exemplo perfeito da religiosidade popular brasileira tal como a descreveu Gilberto Freyre: uma “religiosidade afetivizada”, que canibaliza as hierarquias impostas entre o sagrado e o profano e transforma a festa para o santo às portas da igreja, na Rua da Alfândega, em uma festa carnavalesca.
A dimensão que o culto a São Jorge assumiu no Rio de Janeiro contou, é certo, com a força das religiões afro-brasileiras. Sabe-se há muito que os escravos encontraram no culto aos santos um abrigo seguro para a manutenção do culto às entidades do panteão iorubá, quando a prática era assunto de polícia. A função medianeira, as habilidades e o conhecimento no trato sobre certa matéria aproximaram os santos e os orixás. Enquanto os atributos dos santos indicavam o exercício de seu antigo ofício, a aptidão para cura de uma doença ou a resolução de um problema, os símbolos dos orixás revelavam, do mesmo modo, suas propriedades curativas e materiais. Nos terreiros do Rio, São Jorge emprestou sua face a Ogum, na Bahia a Oxossi.
O encontro de São Jorge com os deuses africanos é um dos muitos capítulos que compõem a história da devoção ao mártir no Ocidente. São Jorge dialogou com outros mitos desde a Antiguidade até assumir a feição lusitana que os colonizadores trouxeram ao Brasil. Ao contrário de outros santos do catolicismo, São Jorge conta com mais de um relato hagiográfico, sua canonização literária.
Mas como o venerado Guerreiro ganhou tanta força que a fé em chega aos dias de hoje?
AS LENDAS
A Legenda Áurea – o Mártir
São Jorge nasceu na Capadócia no ano de 280. Logo no final do século III, ele trocou a Capadócia pela Palestina e ingressou no exército de Diocleciano. O cristão chegou rapidamente aos postos de conde e depois de tribuno militar. As complicações para São Jorge iniciaram quando os cristãos voltaram a ser perseguidos. Coerente, São Jorge manteve sua fé e passou a lutar a favor dos cristãos, superando cada tortura a que foi condenado por Diocleciano e convertendo mais e mais soldados ao reino dos céus.

“Breviário Livro de Horas” de 1378” que tem São Jorge em seu martírio e guarda lições de fé coragem e determinação que inspiraram seus fieis.
O imperador Diocleciano, contrariado com a resistência dos cristãos encabeçada pelo guerreiro, chamou um mago para acabar com a força de Jorge. O santo tomou duas poções e, mesmo assim, manteve-se firme e vivo. O feiticeiro juntou-se à lista dos convertidos. Durante seu martírio, Jorge mostrou-se tão inflexível que a própria mulher do imperador Diocleciano também converteu-se ao cristianismo. Esta teria sido a última gota, que fez com que Diocleciano mandasse degolar o ex-soldado em 23 de abril de 303. A data ficou marcada como Dia de São Jorge.
A lenda mais conhecida onde São Jorge contra Dragão da Maldade.
A Arte Cristã representa São Jorge montado num cavalo, combatendo o dragão de Selena na Líbia, salvando a vida de uma princesa. A Igreja cita que essa representação é alegórica, pois o dragão vencido pelo santo, representa o espírito mau. A princesa simboliza a esposa do imperador que presenciando a constância do mártir, se converteu ao cristianismo.
Dizem que o cavalo branco de São Jorge é abençoado por Deus.
Os restos mortais de São Jorge foram transportados para Lídia (antiga Dióspolis), onde foi sepultado, e onde o imperador cristão Constantino mandou erguer suntuoso oratório aberto aos fiéis. Seu culto espalhou-se imediatamente por todo o Oriente (Constantinopla, Egito, Armênia, Grécia, Império Bizantino).

Reprodução de fotografia da escultura em madeira de São Jorge datada de 1489 da Catedral gótica de Estocolmo – Storkyrkan – autoria de Bernt Notke de lübeck
São Jorge na cultura Portuguesa
O Culto dos reis de Protugal ao megalomártir tem início com a fundação do Reino de Lisboa Por Afonso Henriques – 1° Monarca de Lisboa.
Durante a Dinastia de Avis (século XIV ao séc. XVI) a fé em São Jorge passou a representar a vocação de Portugal para a conquista.
Como mais um sinal de devoção, o Infante d. Henrique deu o nome do santo a uma das ilhas do arquipélago dos Açores.
Posteriormente o Santo foi tomado como intercessor celeste pela disputa da coroa Lusitana contra Castela quando
D. João I entrega a batalha a São Jorge gritando:
“Avante São Jorge, avante, que eu sou Rei de Portugal”
“Que culpa tem ele de ser tão belo e ecumênico” – Mário Quintana
A procissão bahiana
A Primeira procissão do Corpo de Deus foi realizada na Bahia em 1549 trazendo o “Santo mártir” à moda de Lisboa o santo saía na procissão baiana sobre cavalo ricamente adornado, escoltado por seu págem, por seu alferes, o popular “Homem de ferro”, e por cavalariços vistosamente trajados.
Após o descobrimento do Brasil, a imagem do santo sobre o cavalo passou a ser um dos principais atrativos do desfile.
Em Vila Rica (hoje Ouro Preto, MG) no século XVIII, também não se economizava em pompa. Na véspera da procissão, à noite, os Criados de São Jorge, vestidos de capa e calção vermelhos, rufando tambores, anunciavam pelas ruas o cortejo. Ao Amanhecer, ao som da banda e ao estouro dos fogos, o povo ganhava as ladeiras da cidade.Antes da missa, na matriz de Nossa senhora do Pilar, a imagem de São Jorge sobre um cavalo, seguida por seu alferes em ricos trajes romanos, e por um anjinho, dirigia-se à igreja. A Imagem de São Jorge esculpida por Aleijadinho, saía escoltada por quatro estribeiros vestidos como pagens e um piquete de cavalaria com cascos dourados e arreios enfeitados.
O Santo era recolhido no Paço da Câmara.

Escultura em cedro - Aleijadinho – Museu da Inconfidência – Ouro Preto – MG - detalhe da montagem da escultura com capa original na EXposição Brasil 500 anos - Curiosidade sobre a obra: A imagem ficou anos na Prisão por ter caído e matado um soldado durante uma procissão.
No Rio de Janeiro imperial, o desfile de São Jorge provocava tamanho impacto no dia do Santíssimo que se tornara por si só um acontecimento. O mártir era o único santo a integrar o cortejo. Ao repique do sino da igrejinha da rua de São Jorge, atual Gonçalves Ledo, declarava-se iniciada a festa. O foguetório abafava o vozerio e a irmandade do santo, com capa, punha-se a aguardar a chegada do corcel branco. O cortejo liderado pela Irmandade, contava com a banda de escravos da Quinta da Boa VistaA Imagem vinha em cima de um cavalo Branco, com um criado de cada lado, armadura, escudo elmo com ornamentos dourados e capa de veludo carmesim bordada a ouro.
A Única presença a rivalizar com o santo era o imperador D. Pedro II que desfilava suprindo a demanda dos reis e dos exércitos, ajudando – lhes a forjar uma estampa de glória e conquista.
23 de abril — Aniversário de “São Jorge, Defensor do Império”. Este poderoso guerreiro aparece em público somente uma vez por ano, ocasião em que, armado dos pés à cabeça, com lança na mão e espada, conduz o imperador, a corte, as tropas nacionais, a hierarquia eclesiástica e o povo leigo, pelas ruas, em triunfo. Pensei que fosse dia de desfile, porém este ocorre em junho, e assim somente então é que poderemos prestar nossas homenagens ao herói.
(…)
“No Brasil São Jorge é Ogum”
O sincretismo
A força do Venerado Guerreiro só explodiu no país a partir do sincretismo religioso com os cultos afro-brasileiros.
Os negros nas senzalas cantavam e dançavam em louvor aos orixás, entretanto seus senhores não gostavam, e tentavam converte-los a fé cristã, aqueles que não se convertiam eram cruelmente castigados. Daí nasce o sincretismo, em que os negros africanos associavam os orixás aos santos católicos.

Obra em Argila da série "Sincréticos" de Elson Santos - MUseu do Homem do Nordeste - Acervo FUNDAJ - PE
Ogum festeja sua data no mesmo dia que São Jorge: 23 de abril. Conforme o Dicionário do Folclore Brasileiro, ele é o orixá do calor, da força e da energia. É o rei do ferro e protetor de todos os que venham a trabalhar com instrumentos metálicos.

OGUM de Carybé umas das 19 peças que fazem parte do Grande Mural dos Orixás representando os deuses d’África no Candomblé da Bahia. As obras pertencem à coleção do Banco do Brasil BBM S/A, em comodato no Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia.
Conhecido e festejado na África como padroeiro da Agricultura. Ogum na Umbanda é, como os espiritualistas chamam, São Jorge Guerreiro.
Cristo me defenda dos meus inimigos
tenham pernas e não me alcancem
tenham braços e não me maltratem
tenham olhos e não me vejam
tenham boca e não me falem…
Esta oração — que está no livro de Joaquim e Fernando Pires de Lima, Tradições populares de Entre-Douro-Minho (Barcelos, 1938, p.172) — acrescenta, logo a seguir, que aquele que a reza “com as armas de São Jorge (será) armado” — como a invocar, ao mesmo passo que o poder onipotente de Cristo Senhor Nosso — o denodado e valioso concurso de São Jorge, o popular santo guerreiro, o Ogum das macumbas, o valoroso Oxossi dos candomblés baianos…
Com todas estas manifestações espalhadas pelo país, podemos garantir, que São Jorge é, acima de nossa Senhora de Aparecida, o Padroeiro do Brasil.

Convite para a abertura da Exposição que homenageou S Jorge no ano de 2011 no MUseu do Folclore. Que exibe o medalhão no pescoço do devoto como simbolo de orgulho e fé.
No Cinema:
O filme “Uma festa para Jorge”, dirigido por Isabel Joffily e Rita Toledo
Isabel Joffily e Rita Toledo – jovens documentaristas que se aventuram pela primeira vez no fazer documental – acompanham a trajetória de três devotos de São Jorge ao longo dos meses de preparação para o 23 de Abril, dia do Santo. Dona Ana luta para organizar as barracas da festa. Seu Jorge precisa manter a ordem na Igreja. Helinho se confronta com os seus orixás. A relação de cada um deles com o evento revela o universo da devoção ao Santo Guerreiro na cidade do Rio de Janeiro. O filme é um DOCTV realizado em 2009.
Ficha Técnica: 52min. 2009
de Isabel Joffily e Rita Toledo
produzido para a série Doc. TV, em 2009

São Jorge no Barracão da escola de Samba Império Serrano onde o Santo é padroeiro - foto Jefferson Duarte

Oratórios confeccionados por artesão diversos em exposição no Centro Cultural Carioca - RJ - Foto: Jefferson Duarte
Fontes:
Georgina Silva dos Santos, professora do Departamento de História da UFF – Núcleo de História Moderna e Colonial da Época Moderna da mesma universidade. – Ofício e Sangue – A Irmandade de São Jorge e a Inquisição na Lisboa Moderna – compre o livro
Georgina Silva dos Santos. “Venerado guerreiro”. In: Nossa História. ano 1, n. 7. Biblioteca Nacional
Matéria da REvista de História da Biblioteca Nacional – Por Beatriz Catão Cruz Santos – Santo Guerreiro
Eduardo Silva. Dom Obá II d’África, o príncipe do povo. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Jacopo Varezze. Legenda Áurea: vidas de santos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
João da Silva Campos. Procissões tradicionais da Bahia. Salvador: Publicações do Museu da Bahia, 1947.
REvista Jangada Brasil – A procissão de São Jorge
Neves, Guilherme Santos. “Orações de São Jorge Guerreiro”. A Gazeta. Vitória, 28 de abril de 1957
Museu Afro Brasileiro: Carybé e o Grande MUral dos Orixás
Blog: “Os Filhos de Jorge” www.osfilhosdejorge.wordpress.com
Excelente texto, Jeff. Pesquisa eficiente recheada de belas imagens. Parabéns!
Salve Jorge.
Jeff, mais uma linda matéria, essa com um gostinho especial! Salve Jorge!
Que maravilha é a arte que se dá tb por São Jorge!
Que viva a cultura do povo!
E a energia que isso irradia por si só!
Beijo Jeff!
Post novo!
Salve Jorge!
Estamos passando para divulgar esta singela e linda Homenagem a São Jorge Guerreiro: “SÃO JORGE, MEU PROTETOR”, conforme Link do YouTube, abaixo:
Um forte Abraço!
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>>Letra:
SÃO JORGE, MEU PROTETOR
(L. de Oliveira / R. Mag / V. Milanês)
A Lua que ilumina o céu
Se faz presente em meu barracão…
Clareia, ó Lua, o meu amor!
São Jorge é meu Protetor…
Te peço com toda devoção!
Vem, meu São Jorge
De Capadócia…
Me ilumina e guia!
Te peço sorte…
Se faça presente
Em meu dia-a-dia!
Para que nada
Me faça mal…
Em minha estrada,
Me dê um sinal…
A Lua que vem clarear a aldeia,
Tem mistério entre a lua e o mar;
Clareia…
Com suas armas, Meu Santo Guerreiro,
Não tropeço em meu caminhar…
Pois seguro estou… E em ti eu posso confiar!