A Menina sem nome

O Celophane Cultural no dia de Finados visita o cemitério de Santo Amaro – Recife – PE e vai até o túmulo da menina-sem-nome, enterrada como indigente, em 1970.  Este túmulo é visitado todos os anos  por centenas de pessoas, que atribuem a ela o poder de realizar milagres

Os Santos Católicos Não-Canônicos no Nordeste do Brasil

Há muito tempo, no Nordeste, pode-se observar a devoção das pessoas a diversos santos não-canônicos. Sendo assim, os indivíduos canalizam a sua fé nos poderes sobrenaturais desses santos e, através deles, buscam alcançar a cura para as doenças, a resolução de problemas financeiros e/ou afetivos, entre outros.

Segundo Benjamin (2003), tais devoções “têm sido pouco estudadas no campo da antropologia, do folclore, da psicologia social, das ciências da religião e da comunicação. No entanto, sabe-se que a sua prática envolve processos psico-sociais e de comunicação da maior importância nas sociedades latino-americanas”.

Há algumas décadas, antes da modernização dos meios de comunicação de massa, os santos não-canônicos só conseguiam ser propagados através da história oral. Tais santos e os seus respectivos milagres, porém, vêm se tornando cada vez mais conhecidos, segundo pesquisas mais recentes realizadas na área do folclore.

Sabe-se que, após a ocorrência das graças ou milagres, os devotos costumam deixar, junto a esses santos, alguns objetos que representam, simbolicamente, os pedidos que fizeram. Em outras palavras, junto com os pedidos e orações, os fiéis procuram deixar materializadas as suas contrapartidas pessoais, em retribuição àquilo que foi alcançado. A esses objetos que se encontram depositados em santuários, cemitérios, oratórios domésticos ou locais de romaria, dá-se o nome de ex-votos. De acordo com Camara Cascudo (1974):

 ex-voto é uma voz informadora da cultura coletiva, no tempo e no espaço tão legítima e preciosa como uma parafernália arqueológica. Vale muito mais do que uma coleção de crânios, com suas respectivas e graves medições classificadoras. É um dos mais impressionantes e autênticos documentos da mentalidade popular, do Neolítico aos nossos dias. E sempre contemporâneos, verdadeiros e fiéis.

Dentre os santos católicos não-canônicos, pertencentes ao devocionário nordestino está a Menina-Sem-Nome

A “Menina Sem Nome” foi considerada pelo povo como um anjo, já que o desfecho de sua história foi trágico. O seu túmulo atrai curiosos e devotos. Desse modo a “Menina Sem Nome” passou a ser uma santa-não-canônica devido aos pedidos feitos pelo povo em seu túmulo. Nesse contexto, sob a luz da folkcomunicação os devotos pedem casas, celulares, casamentos, reconciliação amorosa, entre outros. A “Menina sem Nome” pode ser considerada uma “Santa” que consegue atrair uma variedade de fiéis. Em seu túmulo há uma variedade de objetos, feitos como maquetes de papel, para realização de pedidos como, bicicleta, geladeira, carro. Assim, há uma criatividade na forma como o povo faz sua devoção.


Finados resgata lenda urbana Recifense


Imagem: Blenda Souto Maior/DP/D.A.Press


A proximidade do Dia de Finados, 2 de novembro, mais uma vez revigora entre os pernambucanos a história da menina sem nome, lenda urbana do Recife.

Enterrada como indigente no Cemitério de Santo Amaro, área central da cidade, em 22 de junho de 1970, a garota nunca foi identificada. Desde então, devotos atribuem à criança o poder de realizar milagres e o túmulo dela é um dos mais visitados do cemitério no dia dedicado aos mortos.

Foto do filme "Menina sem nome" Roteiro e direção: Adriano Portela

Relatos da época informam que a menina aparentava dez anos de idade quando apareceu morta na Praia do Pina, Zona Sul do Recife, com indícios de violência sexual. E isso é tudo o que se sabe dela. Apesar de o corpo nunca ter sido procurado por parentes, o túmulo está sempre limpo, decorado com flores e brinquedos. De acordo com funcionários do cemitério, o jazigo é mantido pelo povo.

Filme: Fé sem nome de Alan Oliveira

Realizado como produto do Departamento de Comunicação da UFPE, “Fé Sem Nome” é um belo registro da manifestação popular de fé, que privilegia a força das imagens e do som ambiente em detrimento das entrevistas – sinal da fé de seu realizador no impacto subjetivo desses elementos.

Túmulo da Menina-sem-nome, Cemitério de Santo Amaro, Recife-PE (31/07/2008) - Foto: Luís Américo Silva Bonfim

Na Série Dialogos promovido pelo MUseu de Arte Popular do Recife, o Diretor fala um pouco sobre o filme:

 Por que o interesse em documentar o caso da “Menina Sem Nome” e qual a estética trabalhada?

Tudo surgiu a partir de um grupo de pesquisa montado com o incentivo do professor Eduardo Duarte com alunos do curso de comunicação, voltado a pesquisar o documentário. Porém, estávamos tão sedentos em realizar algo que acabamos por nos lançar já dentro de um processo de pesquisa pra um documentário. No início levantamos vários possíveis temas, mas quando foi colocado na mesa a “Menina Sem Nome” quase todos concordaram que esse seria um bom tema e foi assim que começamos. Eu, particularmente, já tinha uma relação bem antiga com o tema. Meus avós moram na Rua do Sossego próximo ao cemitério e me acostumei quando criança entrar no cemitério enquanto andava de bicicleta e, assim, conheci a história que sempre me impressionou.

Quanto à estética do filme, creio que o filme no diálogo entre estética  e conteúdo tenha seu maior valor no conteúdo.  Acho o filme relativamente simples e centrado nos depoimentos dos fieis, não tem grandes experiências estilísticas ou coisas assim. Claro que o filme tenta em alguns momentos trabalhar o vazio e a montagem em algum momento brinca com a quebra da expectativa como na cena do extintor, mas não acho que isso torne um filme “estético”.

Creio que quanto à forma o maior valor do filme está em não adotar uma postura jornalística, nem embarcar por um viés policial na história. Acho que dar toda voz aos fies e deixar que eles façam o inventário do mito é a grande sacada do filme, o filme não tenta ser conclusivo, nem dizer como a menina morreu e etc, prefere o burburinho da boca do povo, a cacofonia da boca do povo.

Foto Alan Oliveira

Quais outros trabalhos artísticos (Fotografia, vídeo, literatura, teatro, dança e outros) você indicaria como trabalhos que dialogam com o seu documentário?

Bom, tem três trabalhos que podem de alguma maneira dialogar com o meu. Tem um artigo muito bom de um cara chamado José Chavier dos Santos, ele escreveu um artigo que está na internet pra baixar e que li durante as pesquisas pro filme, o artigo chama-se, “A Menina Sem Nome: um Espaço de Comunicação Folk”. Foi muito importante ter lido esse trabalho e perceber toda simbologia dos ex-votos e etc. Os outros dois trabalhos não fazem relação direta, mais articulam, de diferentes maneiras, aspectos da devoção no nordeste. O primeiro trabalho que cito é o de Camilo Cavalcante em seu último filme, que tive prazer de trabalhar como assistente de direção, “Ave Maria, Mãe dos Sertanejos”. Nele existe uma tentativa de lançar um olhar sobre a devoção e o rito da oração das 6h da noite no sertão Pernambucano e ao mesmo tempo como tem ocorrido esse embate entre a tradição da “Ave Maria Sertaneja” cantada por Luís Gonzaga e executada por algumas rádios no horário da oração e a TV que, no mesmo horário, exibi o desenho do Pica-Pau: enquanto uma senhora ora e acende velas, crianças hipnotizadas vêem o famigerado passarinho. O outro trabalho que cito é Morro” de Gabriel Mascaro, um grande trabalho, tanto esteticamente quanto no conteúdo.

Fontes:

Fundaj – Santos não canônicos no Nordeste Brasileiro-Semira Adler Vainsencher e Rúbia Lóssio – Pesquisadoras da Fundação Joaquim Nabuco.

Série “Dialogos” promovido pelo Museu de Arte Popular do Recife

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